para concluir s. gonçalinho

Para concluir s. Gonçalinho transcrevo o texto de apresentação do meu livro.

Num misto de sagrado e profano, a Beira-mar engalana-se e festeja, anualmente, por volta de 10 de Janeiro, o seu santo padroeiro: s. Gonçalinho. Toda a festividade é um ritual à alegria: o arraial, os cânticos brejeiros, a romaria das cavacas na torre e no terreiro da capela, tarde de domingo e segunda em animada cavaqueira no interior dela, a entrega do ramo e a "dança dos mancos". Neste universo de acontecimentos, parece nos que o aspecto religioso é um mero pretexto para festejar. É possível, as verdadeiras razões diluem-se no tempo.
Gonçalo Pereira nasceu em 1190, na província do Minho e no seio de família nobre. O seu carácter revelou, desde tenra idade, motivação para a vida eclesiástica e esta e esta inspiração levou-o ao sacerdócio e, por isso, entrou no arcebispado de Braga. Ordenado sacerdote e pelas suas virtudes, foi-lhe confiada a paroquia de s. Paio de Vizela. Alguns anos depois, fez uma peregrinação a pé à terra santa e Roma, voltando 14 anos mais tarde. Ao regressar a Portugal, deparou-se com uma situação de todo inesperada: tinha sido despojado dos seus bens e rendimentos pelo sobrinho, sacerdote que ficara no seu lugar durante a viagem. Para tal apresentou provas falsas do falecimento do seu tio no estrangeiro, fazendo-se nomear pároco da freguesia, usurpando-lhe o lugar e desprezando totalmente s. Gonçalo. Resignado e sem protesto abdicou do que lhe pertencia. Resolveu então mudar o rumo da sua vida: pregar o evangelho por toda a região entre douro e Minho como se lhe tivesse sido confiado como recompensa divina. Tal facto deu origem a lendas diversas entre o povo. Foi, provavelmente, um episódio pouco ortodoxo para a época, que marcou com influência a ideia de ele ser um sacerdote pândego, irreverente e galhofeiro, quando a final era o oposto: austero, penitente, pregador...
Quanto à crença, ela provém do padre Gonçalo Pereira ter legalizado, religiosamente, casais de uma freguesia chamada Ovelha, os quais viviam "imoralmente". Consequentemente, os habitantes das freguesias vizinhas apelidaram-no de " Casamenteiro dos de Ovelha". Depois os matizes populares deturparam a alcunha passando a ser o casamenteiro das velhas.
Em Aveiro, a devoção a este santo de Amarante tem vários séculos de existência. No século xvi, o povo da beira-mar ergueu uma capela que chegou a ser templo matriz da freguesia até à construção, s.xvii, de um templo mais amplo para igreja matriz da actual freguesia de Vera Cruz.
O homem histórico que terá sido o padre Gonçalo Pereira, não está nestas imagens, estas só abordam o culto a s. Gonçalinho nestas terras de Aveiro que este seu povo lhe rende num misto de religioso-pagão à figura criada pelos seus antepassados.
A cavaca e os cânticos (quadras brejeiras alusivas a s. Gonçalinho e as cavacas aos pedidos de casamento) são elementos condutores e protagonistas desta festa. A cavaca simboliza o cumprir da promessa, embora as doenças ósseas sejam representadas com formas em cera, pés, braços, mãos... As flores, velas e azeite, também contemplam a gratidão ao santo.
Hoje isto esta mais sujeito à tradição popular que à devoção e fé, contudo patentes, mas no seio da sociedade arcaica isto não foi uma manifestação sem uma profunda razão de existir. O fluir da cultura e religiosidade dos povos, bem como a dinâmica dos tempos oferece-nos estas contradições.

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